
| 30.06.2008
Da ‘Terra Santa’ ao ‘Lugar Santo’
A terra da promissão no contexto da sistemática católica
Bernhard Wunder
Quando cristãos na Alemanha falam hoje da ‘Terra Santa’, pensam em geral no Israel de hoje como terra de peregrinagem sem, com isso, já entenderem limites políticos determinados identificando, com isso, ambas as grandezas, a ‘Terra Santa’ e o Israel de hoje simplesmente uma com o outro. Quando em seguida a sistemática católica tematiza a questão de terra, está para ser considerada antes de tudo, a diferença dos lugares de posição – Alemanha e Israel/Palestina – mas também o valor diferente de posição dos discursos teológicos nesses lugares de posição. Assim, o diálogo cristão-judaico na Alemanha, estabeleceu-se aproximadamente no século passado e se descreveu em partes essenciais em direção à Shoáh.
Em Israel/Palestina, esse diálogo se encontra muito para trás na agenda política, mas também na religiosa e não se faz muito falar dele.
Disso se pode tirar a conclusão de que o diálogo cristão-judaico na Alemanha está sendo essencialmente feito como uma auto-certificação de identidade, o que aqui também pretende chegar a ser o objeto do ensaio. É que nisso o momento não é a-problemático para um gesto cristão-judaico de legitimação chegar à luz do dia.
Como se sabe, a sistemática católica, em todos os seus tratados, remete a textos do processo judaico de tradição, com os quais ela, entre outras coisas, estabelece o seu próprio perfil de identidade. O problemático nesse aproveitamento jaz agora naquilo que nisso está sendo estabelecido uma imagem determinada, ideal-típico do ‘Judaísmo’, do horizonte de tradição judaico, de elementos da tradição judaica e de coisas semelhantes, a qual justamente sirva à identidade cristã. A fala da ‘Terra Santa’ numa sistemática católica, portanto, deve ser a seguir examinada nesses gestos legitimatórios.
1. Para desengatação da Promissão da Terra
Para a perspectiva sistemática é decisivo que o Novo Testamento usa o termo grego terra (guê – terra, pátria, solo etc. documentado exclusivamente nos Evangelhos, dos Atos dos Apóstolos e e na Carta de Judas) sempre em significados geográficos e jurídicos, logo no sentido de região, paisagem, posse, pátria, solo. O conceito ‘Terra Santa’ está documentado somente num único lugar no assim chamado sermão de Estevão (At 7,33), no qual está sendo aludido à teofania na sarça (Ex 3,15). Os Atos dos Apóstolos já supõem nisso já o Segundo Templo destruído e a perda da terra prometida aos romanos. No contexto desse sermão, além disso, está sendo de única vez no Novo Testamento a Terra, como terra prometida mencionada em At 7,3, igualmente em Hb 11,9 (aqui significante no conexo duma parênese maior de fé). Nenhuma dos bem 60 lugares documentários de Abraão neotestamentários conota a terra de promissão; em vez disso, Abraão está sendo antes de tudo citado como figura paradigmática da fé, aludindo nisso freqüentemente à promissão da sua descendência.
Uma significação desigualmente mais alta e diferente é que o texto hebraico atribui, na ordem do Tanak e também na tradução deste ao grego, na Setenta (LXX), ao termo terra. As aproximadamente 500 registos para erets (hebr.: terra) não podem aqui ser ex-diferenciadas, referem-se, no entanto, marcadamente à promissão de terra a Abraão. Antes marginais e não realmente diferentes são as documentações da tradição profética (no contexto do exílio babilônico), as quais conhecem uma relação a Deus sem ligação exclusiva à promissão de terra.
De mais, tanto o Tanak como também a LXX dão a
designação ‘Terra Santa’ em três lugares:
uma vez no conexo duma visão de retorno do profeta Zacarias,
onde se trata do retorno do exílio babilônio para dentro
da Terra Judá e da tomada de posse da terra por YHVH (Zc 2,16);
depois no contexto da fala da ira divina a habitantes anteriores da
“terra santa” (Sb 12,3) e finalmente no conexo da
re-consagração do Segundo Templo 2Mc 1,7).
Com esses traços escassos, já uma tendência
decisiva se indica: Enquanto o Novo Testamento não se refere
significantemente à Terra Israel/Judá como terra de
promissão, o Tanak e a LXX se referem expressamente a ela.
Também os três lugares de documentação
“Terra Santa” produzem um conexo expresso com a terra de
promissão, cf. 2Mc 1,1-6 e Sb 12,7 com Dt 11. O Novo Testamento
obviamente desligou o momento de promissão da terra concreta
Israel/Judá formulando, entre outras coisas, em
direção a esse contexto, as suas afirmações
cristológicos, respectivamente co-inscrevendo nas
afirmações cristológicos.
Isso se confirma também pela modificação
terminológica significante no Novo Testamento, no qual a
programática cristologicamente esboçada da
promissão, embora ligada ao mesmo termo guê,
(grego: terra,
pátria, solo etc.), está sendo agora usada em
ligação com o conceito ‘céu’ (ouranós
Com isso se mostra que um perfil cristológico está
obviamente ligado com uma desligação/mudança
terminológica da terra Israel/Judá, que, como isso, uma
história cristologicamente perspectivizada de
salvação não pode aludir a essa terra senão
sem narrativa de promissão. Esse contexto explica também
porque uma sistemática católica não está em
condições de continuar uma promissão, seja qual
for ela, de terra esboçada no Tanak ou de eliminar ela no
sentido de declará-la como inválida porque tal
promissão não está inscrita no horizonte duma
cristologia. A Carta aos Filipenses expressa essa
substituição terminológica da promissão da
terra no mais pregnante para a nossa ordem de idéias, mesmo
quando primeiro esboce um outro contexto: “A nossa pátria
está nos céus, de onde também esperamos o
salvador, o Senhor Jesus Cristo”, (Fl 3,20).
Como a categoria terra no
Tanak está insoluvelmente ligada ao povo escolhido e à
Toráh, assim em todo o casso na perspectiva religiosa de
não poucas auto-descrições e tais de forasteiros,
e estratégia da história de salvação
dever-se-ia confirmar também nesses lugares de
argumentação, sem provocar com isso a impressão de
que, com essa tríade clássica (terra, povo, Toráh
= Judaísmo), o ‘Judaísmo’ seria compreendido
ideal-tipicamente nos seus momentos essenciais ou se deixaria
(re-)construir em direção a esses três conceitos. O
processo de tradição é vivo, diverso e não
uniforme – já em direção a cada um desses
conceitos – e conduziu até para dentro de auto-esboços
expressamente motivados não-religiosos, não somente no
tempo presente. Essa tríade se oferece, porém, aqui como
peça de ensino duma sistemática católica se
oferece naquilo que apanha certas passagens de texto correspondentes
para a exposição da própria identidade, e isso sob
a falta da promissão ligada à terra.
Quando a sistemática católica fala da ‘Terra Santa’, a
história de Jesus está sempre chamada como
história de salvação, mas não uma da
narrativa da(s) promissão/ões do Tanak. A vida nesse
país, as suas fronteiras, a sua história ou a sua posse,
em que essa história de Jesus está localizada, não
joga papel constitutivo para a sistemática católica.
Por isso é que nem a soteriologia (doutrina de salvação) nem a escatologia (antigamente a assim chamada doutrina sobre as coisas últimas, hoje pode ser melhor: doutrina da esperança cristã ou biblicamente: do Reino de Deus) uma terra determinada de promissão para a perspectiva cristã. Isso também está ligado com que o Cristianismo não conta experiência nenhuma de terra às suas experiências de existência, as reivindica ou a elas remete, como p.ex. partes do Judaísmo que se referem a experiências religiosamente contextualizadas fundamentais da terra da promissão, assim p.ex. com vista ao conto de Abraão para dentro duma terra prometida, à opressão e ao êxodo ao, respectivamente de, Egito, à migração pelo deserto e à assim chamada tomada de terra, finalmente também à volta do exílio babilônico e, no século 20, ao retorno da diáspora de aproximadamente dois mil anos, respectivamente da experiência do exílio. O discurso religioso liga, em todo o caso, constitutivamente a categoria da terra de promissão com aquela do povo escolhido e ao dom da Toráh.
No fundo de um horizonte da história de salvação, uma sistemática católica, no entanto, fala da ‘Terra Santa’ como dum ‘Lugar Santo’. A terra da promissão é, por assim dizer, terra de peregrinagem, em que mostra uma situação de relacionamento cristã-judaica bem real.
Declarações cristológicas podem viver completamente sem promissão de terra, de onde se também explica porque o conceito ‘Terra Santa’ pode ser usado no Judaísmo e também no Cristianismo e naturalmente também no Islame, mas exatamente categoricamente fixado a um sistema de relação completamente diferente, não somente geopoliticamente.
2. À desligação do Povo da Promissão
Enquanto a terra de promissão só pode ser refletida
adequadamente com a fala do povo de promissão, deveria valer
reciprocamente que do povo da promissão só pudesse ser
falado no contexto da terra de promissão. A inversão
sinaliza, porém, uma diferença notável à
perspectivização da história de
salvação duma cristologia, a qual se apresenta na
declaração conciliar Nostra
Aetate de 1965 assim: “Ela [a Igreja] confessa que todos crentes
em Cristo estão incluídos, como filhos de Abraão
segundo a fé, na vocação desse patriarca, e que no
êxito do povo escolhido do país da escravatura, a
salvação da Igreja está misteriosamente
prefigurada.” A metáfora de filho aqui apanhada (crentes em
Cristo como filhos de Abraão) trava uma espécie de
laço familiar dos crentes em Cristo com Abraão e, com
isso, uma unidade quase-natural de cristãos e judeus. O
Cristianismo provém, nessa metáfora de filho, do povo de
Israel, pertencendo com isso permanentemente a ele. No entanto, e aqui
se inscreve a tendência acima mencionada de inversão, esse
horizonte se deixa esboçar somente sob o paradigma da fé
(filhos de Abraão segundo a
fé). Neste lugar, a declaração se refere
expressamente numa nota de pé a Gl 3,7, onde Paulo faz uma
alusão a Gn 15,6 e a aí descrita justiça da
fé de Abraão. Essa figura de Abraão está,
como mostrado acima, extremamente proeminente no Novo Testamento
inteiro.
No entanto,. Essa justiça de fé de Abraão
está sendo ligada, exatamente nesse lugar do Gênesis,
expressamente à terras prometida, assim no versículo 7:
Sou YHVH, que te eduziu de Ur dos caldeus, para te dar esse país
para posse.” Não será que se deve concluir disso que a
inclusão dos crentes em Cristo como metáfora de filho
funciona num horizonte comum de tradição com o povo de
Israel, só sob exclusão do ponto de referência
constitutivo, a saber da promissão de terra? É que aqui
temos de lidar, não com o Abraão do povo de Israel, com o
qual a promissão de terra se liga constitutivamente, mas sim com
um Abraão do horizonte da história de
salvação cristão, logo com uma figura de
fé, como esta corresponde à narrativa duma cristologia:
dar testemunho, confessar, crer. Abraão é aqui
então uma figura literária, a qual se deixa inscrever,
sob figura nova, no horizonte cristão.
Nesse fundo, uma continuidade ou um horizonte uniforme de
tradição (crentes em Cristo como filos/filhas de
Abraão) se ressalta, em rigor, não entre
‘Judaísmo’ e ‘Cristianismo’, mas sim entre ‘Cristianismo’ e
‘Cristianismo’: Desatação do povo da promissão.
O nascer histórico do ‘Cristianismo’ do ‘Judaísmo’
não pode ser negado com isso, mas tão pouco uma
diferença sistemática. Também a imagem
paulina do enxerto num tronco (Rm 11,16-18) não deixa esse
conexo necessariamente como um sair quase-natural do ‘Cristianismo’ do
‘ Judaísmo’, mas se deixa também interpretar como a
compatibilidade de diferenças. Simplesmente dito: nem da
categoria terra nem da categoria povo se consegue chegar, portanto, ao
Cristianismo.
Precedente é aqui, não a história, mas sim a sistemática , logo o sistema de referência com o qual a história de salvação está sendo esboçada. O ‘Cristianismo’ , com isso, não se legitima por meio ou a partir dum desenvolvimento histórico, mas sim por meio ou a partir duma decisão orientada na pessoa, de que Jesus Cristo significa às cristãs e aos cristãos mais que tudo no mundo. Esse paradigma ‘cristão’, no qual está sendo privilegiado um objeto temporal, finito, é um paradigma de amor e, enquanto isso, necessariamente excludente, mas não deserdante, sobrepujante, hostil ou intencionante de ódio.
O modelo de comunitarização referido a Cristo “Igreja” se refere portanto não acidentalmente à narrativa cristológica fundamental: ao credo e a sua interpretação ortodoxa.
3. À desligação da Toráh do Povo
Às indicações notáveis de que a sistemática católica referente à Toráh formula uma diferença, pertence a falta difundida deste conceito “Toráh” em documentos católicos. Também no Novo Testamento, esse conceito não está testemunhado, embora hebraísmos e uma retórica hebraica não fosse excluída de modo nenhum.
Em vez disso, está aludido à Toráh sempre mais
uma
vez com os conceitos ‘lei’ ou também ‘mandamentos’. Isso se
relaciona não acidentalmente com que a tradução
neotestamentária ao grego, nomos, em todos os seus significados
(lei, uso, costume, o ordenado) chegou a ser orientadora.
Que com essa tradução foi manejada a agulha decisiva,
mostra-se já em bem poucos traços daquilo que, na
tradição judaica, Toráh significa: Sob o aspecto
conceitual, mas também social, Toráh significa o ensinar
e aprender, instruir e indicar, introduzir e guiar; no sentido
estreito, Toráh designa também os assim chamados cinco
livros de Moisés, a assim chamada Escritura Sagrada revelada ao
povo escolhido Israel, ao que se refere um Judaísmo religioso.
Numa tradição rabínica, a Toráh está
sendo designada como o todo de Toráh escrita e oral. A
Toráh escrita está sendo entendida diversas vezes como
produto da tradição oral. Dentro da
tradição oral de comentários, um âmbito se
desenvolveu que se ocupa com o entender de entender e fazer de leis, um
outro com aquilo que diríamos, interpretar espiritualmente. A
Toráh tem incontestadamente, a posição preeminente
em geral, não só no Tanak.
Com essas poucas indicações é possível perceber que a tradução neotestamentária de Toráh com o nomos grego alcança, no máximo, um único segmento do conceito hebraico de Toráh. Nisso, no entanto, ainda não está sendo considerado que também para esse segmento está sendo reivindicado em contexto diferenciado, assim que, visto com exatidão, para a tradução no Novo Testamento, nem se pode falar duma Toráh reduzida. Isso se deixa, na literatura cristã, re-alizar no apontamento freqüente ao assim chamado decálogo. Pois esses assim chamados Dez Mandamentos valem como “lei moral permanente e universal para sempre e valida em qualquer lugar inscrita no coração humano”. Essa Inscrição da lei universal de moral no coração humano está aqui, porém, ligada a um escrever para fora, um sair da Toráh, o que se deixa mostrar em aspecto duplo. Nessa alusão ao decálogo está sendo, em ampla extensão, ofuscado o contexto do Tanak como dom ao povo e a relação deste à experiência de povo e terra.
A Toráh era, segundo Levítico, dada para a vida cheia de benções do povo eleito na terra prometida, enquanto a alusão à lei universal de moral em Immanuel Kant de-constrói esse contexto historiográfico do dom da Toráh a Israel a favor duma universalização cristológica.
AV 145,23: Aliança e Lei compreendem nessa perspectiva todas as pessoas humanas: “Quando as pessoas humanas observarem a Sua lei, viverão em liberdade permanente. Êxito e Aliança não são acontecimentos do passado; são destino eterno de todo o povo de Deus”.
Também alusões à toráh de coração em Jr 31 não devem passar por cima do que era entendida, respectivamente construída, uma aliança futura com a casa de Israel/Judá, cf. Jr 31,31. Segundo Mt 5,17 e lugares semelhantes, Jesus teria chegado, não para abolir a Toráh ou os profetas, mas sim para os cumprir. Duma abolição da Toráh ou dos profetas não se pode falar, porque a lei no Novo Testamento está sendo chamada para um quadro cristológico incompatível de referência. Logo ficamos também a respeito da Toráh diante uma diferença sistemática, a qual não deveria ser minada e, além disso, não esboçaria uma programática cristã.
Resultados
Essa fala de ‘Terra Santa’ numa sistemática católica
entabula-se numa géstica de desligamento já
esboçado no Novo Testamento. A fala cristã de ‘Terra
Santa’ tem um sentido pessoa-orientado, em direção a
Jesus Cristo, formado salvação-orientado, no qual o
sistema de referência de terra de promissão, povo e
Toráh para os crentes cristãos não é
constitutivo. Com isso, porém, nem o Tanak nem o horizonte de
tradição judaico não estão obsoletos para a
sistemática católica, com Marcião (cerca 85-160)
diz. O Antigo Testamento e extensamente partes neotestamentários
não precisam ser ‘desjudaizadas’, quando se quiser ainda usar
essa palavra monstruosa. Notavelmente, esse desvalorizar marcionista do
‘Judaísmo’ revela para o Cristianismo também um
anti-semitismo extremamente sublime, o qual consiste em que ambos os
sistemas de referência, o ‘cristão’ como o ‘judaico’ tomar
como compatíveis e, por isso, também perceber como
unilateralmente incômodos.
Só sob um esquema reprimidor tal de concorrência, o
‘cristão’ pode ser apresentado como o desenvolvido, o
verdadeiro, esperado, finalmente cumprido em Cristo. ‘Ortodoxia’
cristã primitiva recusou esse começo, porque obviamente
não partia a partir dum horizonte polêmico duma
descontinuidade sistematicamente fundada a elementos do horizonte de
tradição judaico.
Nos fundo apresentados jaz, por meu ver, o mandato do assim chamado
diálogo hoje jaz em terminar a longe história de
séculos de se desavir pelo que horizontes ‘cristãos’ e
judaicos de tradição fiquem claramente
(re-)conhecíveis pelos seus limites sistemáticos.
Tradução: Pedro von Werden SJ 15/2/2008
Texto alemão: Vom ‚Heiligen Land’ zur ‚Heiligen Stätte’
